Natalia Zuazo e Mirta Castedo falam sobre escrita no Twitter

Pesquisadoras da Universidade Nacional de La Plata, na Argentina são pioneiras na investigação das possibilidades didáticas sobre o uso do Twitter como ferramenta pedagógica para trabalhar a produção de textos
Camila Monroe (camila.monroe@abril.com.br) e Anderon Moço

No artigo Culturas Escritas y Escuela: Viejas e Nuevas Diversidades, as pesquisadoras Natalia Zuazo e Mirta Castedo argumentam que o Twitter é uma ferramenta tecnológica que permite trabalhar com versões reduzidas de diferentes gêneros textuais, como notícias e contos, escritos em até 140 caracteres.
Na entrevista a seguir, as pesquisadoras falam sobre a produção de microcontos no site, comentam as intervenções do professor nesse processo e abordam a relação imediata entre autor e leitores, que caracteriza as publicações na rede social.
Em sua pesquisa, vocês tratam das possibilidades de interação entre o leitor e os autores na Internet. Isso também acontece no Twitter?
NATALIA ZUAZO Sim. No Twitter temos uma visão muito clara do autor. Ele escreve em primeira pessoa, vemos sua foto, o dia e a hora em que escreve. A ferramenta permite uma interação imediata, não editada, que vai construindo conjuntamente a história.
E como isso contribui com o trabalho em sala de aula?
MIRTA CASTEDO Depende do trabalho planejado. Se você propõe que a turma siga um autor, é relevante saber quem diz o quê, como ele está mudando ou mantendo o que diz. Se a proposta é seguir um tema, o foco será a argumentação. Se o trabalho é com uma seleção de tuítes literários, vale comparar os recursos da ferramenta com outros contos breves de autores consagrados. Talvez seja possível descobrir que alguém escreve como Monterroso [escritor guatemalteca, autor de "A ovelha negra e outras fábulas"] ou como em alguns contos breves de origem oriental.
É possível trabalhar os conteúdos de Língua Portuguesa utilizando o Twitter em escolas sem computadores ou acesso à Internet?
NATALIA Além da plataforma, que funciona como uma mistura de blog (porque publicamos textos cronologicamente, sempre com o mesmo autor) e de rede social (porque seguimos e somos seguidos pelos outros), faz parte da natureza do Twitter o imediatismo da publicação - escrevemos, publicamos e somos lidos, instantaneamente. Esse imediatismo condiciona a forma como os tuítes são concebidos. Por isso, não sei se faz muito sentido escrevê-los off-line e depois publicá-los quando tivermos acesso a um computador. No suporte online, a construção da história também se dá pelas interações com outras pessoas, que se misturam com o que escrevemos. Se não estamos online para ir construindo as histórias, um recurso importante da plataforma é desperdiçado.
MIRTA Não podemos esquecer que uma escola é uma escola. Isso significa que o grau de transformação das práticas sociais de referência na escola varia em função dos propósitos de ensino. Por isso, é indispensável mergulhar na prática e, depois, quando já se conhece a prática, o professor pode "parar" a ação para analisá-la. Nesse caso, tanto faz estar online ou não, porque é possível trabalhar com a análise de tuítes, sem produzi-los em tempo real.
É importante estudar modelos de microcontos antes de se começar o trabalho?
NATALIA Acho que é preciso estudar que características tornam um microconto bom. O Twitter oferece boas oportunidades para se estudar o gênero, sua história e ler contos curtos.
MIRTA Colocamos os alunos para produzir e, ao fazermos isso, ajudamos a turma a refletir sobre "como se faz", "por que", "sob quais condições", "quais são os efeitos" etc. Dessa forma, construímos modelos de produção e modelos de produtos. Não se trata apenas de mostrar e de explicar, mas de fazer (ler, escrever, responder, contra-argumentar) e refletir sobre o que se faz. Algo muito importante nesse contexto é fazer comparações: comparamos os tuítes com os relatos mínimos em papel preexistentes; a ironia no tuíte com a ironia em uma nota de jornal; a metáfora do tuíte com a da lírica. Porque o tema em questão não é somente o Twitter, mas a cultura escrita.
Modificar os textos é um ponto importante sobre a utilização do Twitter em sala? Como o professor pode lidar com essa questão no trabalho com microcontos?
NATALIA No Twitter é possível apagar um tuíte anterior, mas isso não é bem visto segundo as regras de etiqueta na rede ["netiqueta"]. Ele foi pensado para ser usado em tempo real, e a edição, a modificação ou a correção de textos é feita na vista de todos e fica documentada, tuíte por tuíte. Trata-se de uma plataforma que nos desnuda em nossa construção como escritores. Há quem a use com menos imediatismo e pense muito antes de escrever (editam os textos off-line ou passam muito tempo com a janela do Twitter aberta), outros que apagam os tuítes e outros que não se importam em desnudar a própria escrita para os outros. Se o objetivo é que sejamos conscientes da construção de um texto e de como o modificamos, o Twitter permite fazer isso interagindo com outras pessoas, mas em vez de o fazermos em uma lousa, utilizamos uma plataforma distinta. Se trabalharmos todos juntos construindo um microrrelato de 140 caracteres, podemos editar em conjunto.
MIRTA Ter um interlocutor que não é o professor e que comenta o tuíte, dizendo se entendeu ou não, se causou riso, se compreendeu o contrário do que o autor quis dizer, isso é uma grande vantagem pedagógica.
Nas redes sociais o autor tem uma grande liberdade. Como o professor orienta a produção de texto sem mudar essa prática social?
MIRTA A escola, em alguns momentos, tem que transformar certas condições de circulação e produção dos gêneros justamente para poder estudá-los. Mas, por que isso seria perder a liberdade de autor? Trata-se de uma orientação para que o autor-aluno tenha liberdade de expressar com precisão o que quer dizer.
Quanto à socialização do conteúdo, a publicação na internet basta ou o professor deve criar outras estratégias de divulgação, como a produção de murais na escola?
NATALIA É possível criar outras estratégias de divulgação. Mas, se um mural for criado na escola, é preciso deixar espaço para comentários ou interações, porque senão é como ter um livro na biblioteca com as cinco últimas páginas faltando: vai faltar algo construtivo, que faz com que ele não seja mais um livro.
MIRTA Vamos imaginar uma "semana de Twitter" sobre um assunto de interesse, como por exemplo, o uso do pátio no recreio, onde alunos, professores e funcionários intervêm. Nesse caso, algum grupo poderia tirar conclusões a respeito do assunto e publicá-las para toda a escola. Mas se a situação refere-se a um blog sobre os livros mais recomendados pelos alunos, dando outro exemplo, para que seria necessário publicá-lo em papel? Tudo depende da situação e do gênero trabalhado.
A maioria dos livros didáticos não traz informações sobre essas novas formas de produção de texto. Quais materiais de apoio teórico estão disponíveis para o professor?
NATALIA Os livros não precisam trazer informações sobre "o que é o Twitter", mas sobre o que podemos fazer com ele. Dois aspectos são importantes nesse caso: o técnico e o criativo. O técnico está no Google. Publicar um tuíte não é muito diferente de mandar uma mensagem de texto. Já o criativo pode estar em um livro que fale sobre como escrever um conto, como escrever histórias curtas, que aspectos precisam estar presentes em um texto para gerar mistério, tensão, ironia, poesia. O Twitter é uma plataforma que deve ser usada para se escrever textos com diferentes funções (informar, narrar, fazer rir, fazer pensar). Os novos discursos são construções, na maioria das vezes, baseadas em identidades prévias, das quais nos apropriamos e as modificamos para criar algo novo, mas nunca é completamente novo. Da mesma forma que uma carta e um email são duas variedades do gênero epistolar e um blog pode ser uma variação do gênero diário, da autobiografia ou até mesmo do ensaio, um tuíte é um microrrelato construído em uma nova plataforma, que permite outras possibilidades de interação.